Toda esta perplexidade não ocorreria se Passos Coelho conhecesse, de facto, a situação do país em 2011, como repetidamente o afirmou em campanha eleitoral. Se isso acontecesse, não teria feito as promessas que fez e não cumpriu nem teria contribuído com a sua irresponsabilidade para a fragilização do país. Por estar profundamente mal informado, o homem que derrubou o anterior Governo, afirmando com arrogância que havia um limite para os sacrifícios, estava longe de imaginar que, decorridos dois anos, iria conformar-se com o facto de os sacrifícios não terem limite.
Acontece que, os democratas de Abril de 74, não lutaram para substituir a tirania de um ditador pelos privilégios de uma minoria ou o domínio de uma casta de interesses. Deram-nos um país novo, com um Governo, um Presidente e uma Assembleia da República eleitos pelo povo e para o povo. E foi esse povo que estabeleceu que, um país decente, devia cuidar dos mais fracos e vulneráveis, protegendo-os dos infortúnios e dos perigos da vida. O país decente que nos propusemos construir, não pode portanto ser este em que uns poucos estão muito bem e um número cada vez maior não o está. Porque a prosperidade deve assentar sobre os ombros largos de uma crescente classe média. E isso só acontecerá quando cada pessoa encontrar independência e orgulho no seu trabalho, quando a um trabalho honesto corresponder um salário digno.
A verdade é que, agora, manda em Portugal uma categoria de gente ignorante e interesseira. Que nunca soube ou, então, já se esqueceu de como é viver na pobreza e com sacrifícios. Que nunca teve dificuldade para arranjar emprego, para subsistir ou para subir na vida. E que confunde o controlo das despesas com a desobrigação do Estado de ser um refúgio de esperança para os pobres, os doentes, os marginalizados, os indefesos, as vítimas da infelicidade ou do preconceito.
O que verdadeiramente nos indigna, nos tempos que correm, não é a visão distorcida da realidade, é a insensibilidade e a frieza com que se tratam as pessoas. Ignorando o seu bem-estar e o seu direito à igualdade de tratamento e de oportunidades. Desrespeitando o seu passado e desprezando o seu futuro.
Infelizmente a Grécia, Chipre, Portugal, a Espanha, a Irlanda, a Itália, a Eslovénia, a Bélgica vão estourar. E quando a União Europeia, liderada pela prepotente Alemanha, estiver com estes cadáveres nos braços, talvez perceba o desastre que constituiu a utilização de Governos-fantoche para atingir determinados objectivos. Porque o projecto europeu não se destinava ao exercício da caridade para com os pobrezinhos. O projecto europeu tinha como estratégia a implementação de políticas conjuntas de desenvolvimento, em que cada cidadão passaria a ter acesso a direitos básicos como: saúde, educação, habitação e segurança. Sem espoliações nem roubos e, principalmente, sem deixar atrás de si este rasto de destruição e de miséria.
Armando Lopes
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