Armando LopesColunistaEra uma menina com nome de pedra preciosa. Fruto de uma relação ocasional e inoportuna. Rejeitada à nascença pelo pai e, desse modo, tornada filha indesejada e incómoda. Nasceu órfã e assim sobreviveu durante os primeiros meses. Até que a mãe, num acto de lucidez, decidiu construir-lhe um futuro de afectos. Personalizado por um casal que a recebeu de coração aberto. Talvez de uma forma inábil e precipitada. Mas que lhe deu amor, carinho, dedicação e felicidade.
Até que, numa reviravolta do destino, o pai biológico ou alguém por ele, viu na pequena Esmeralda uma oportunidade de negócio. Assim como que um cheque pré datado. Passados cinco anos, desabrocharam-lhe os sentimentos paternais. A sua longa amnésia, os anos de ausência e negação, evaporaram-se como por magia. Explodiram segredos, confissões, horas de fugas e de sombras, misturadas com palavras sem sentido…Mesmo sabendo não ter condições para a criar, avançou para a Justiça. Mesmo sabendo não ter condições para lhe pagar, arranjou um advogado. Depois, comprou um fatinho completo, uma camisa branca e uma gravata rosa fúchsia. Deu um toque no cabelo e na barba, e assumiu o papel de pai e chefe de família extremoso. Tudo coisas que ficam bem nos ecrãs de televisão.O Tribunal da Relação de Coimbra engoliu o disfarce. O seu acórdão faz disso prova, ao satisfazer as pretensões deste pai descartável. Biológico mas descartável. E também interesseiro, embusteiro e oportunista. Mas esta decisão só vem confirmar que temos uma Justiça desumanizada, insensível e polémica. Que não respeita pareceres técnicos nem padrões morais. Uma Justiça titubeante, com hesitações, contradições e imprecisões na aplicação das Leis.O TRC ignorou tudo. Ignorou a coragem, disponibilidade e abnegação dos pais afectivos. Ignorou os pareceres da equipa de pedopsiquiatras que acompanhava a criança. Ignorou os direitos da mãe biológica. Ignorou, inclusivamente, a vontade da própria criança. Tudo isso, para o TRC, foi letra morta.E não havia necessidade. Por que, certamente, os senhores juízes conseguiriam encontrar nos meandros labirínticos da Lei caminhos mais razoáveis e dignos. Mais consentâneos com o respeito pelos interesses da Esmeralda e com a sensibilidade da opinião pública. Que não nos agredissem, não nos ultrajassem, não nos ofendessem nem indignassem. Que não corroborassem as manobras de um pai demissionário ou de um advogado ardiloso. Cada um deles à espera do seu quinhão na indemnização judicial.Acontece que, estar de acordo com os princípios e a filosofia da Lei não implica estar em desacordo com o bom senso e o discernimento. Porque os princípios e a filosofia da Lei são conceitos vagos, frios e distantes dos sentimentos das pessoas. Os sentimentos que comandam a vida e que dão sentido às decisões e razão de ser às coisas.Quando esta criança, daqui por algum tempo, for mais uma vítima de maus tratos, abandono ou violência, talvez os senhores juízes do TRC percebam isto!…
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