— Tu não vês como eu me esforço? – repetiu a cigarra. – Com as minhas idas frequentes ao estrangeiro, para me manter actualizada e instruída. E nem imaginas o quanto me cansam: as viagens de avião, os almoços e jantares de cortesia, as reuniões protocolares…
— Tu não vês como eu me esforço? – insistiu a cigarra. – O sacrifício que faço para manter a boa forma: nos ginásios, nos “Spa’s” e nos “jogging’s” matinais. As despesas que tenho com o meu “personal trainer” e, também, com os consultores de imagem e os professores de canto, de dicção, de línguas estrangeiras, etc, etc, etc. Tudo em favor da comunidade, o que é o mesmo que dizer, tudo em favor de ti.
— Quem me dera ser como tu que apenas te limitas a trabalhar – lamentou-se a cigarra. – Que não tens de te preocupar com a imagem nem com a voz nem com a boa forma física. Feliz de ti, a quem o trabalho dá tudo: o exercício grátis, a transpiração saudável e regeneradora, a comidinha caseira simples e barata, a sardinha e a cavala “gourmet” e, ainda, uma existência livre dos vícios e exigências da vida moderna.
A formiga ainda se atreveu a balbuciar: — Mas eu trabalho e produzo, porra! E, no final do dia, levo para casa um salário cada vez mais miserável. No entanto, a ti só te vejo a cantar e a encher os bolsos. Por isso de que me servem os teus elogios?
— Ai não percebes, minha grande parva – rematou a cigarra. – Então tu não vês que cantar é uma forma inteligente de mostrar trabalho? Assim, posso ser cigarra para não ter de produzir como uma formiga e posso ser formiga para justificar o dinheiro que ganho sem produzir. Serei uma cigarra-formiga ou uma formiga-cigarra. Tanto faz. E esta indefinição, esta coisa de ninguém saber ao certo o que é que eu sou, é aquilo que mais me convém neste momento!…
(Com os meus sinceros agradecimentos ao senhor ministro da Administração Interna pela sugestão do tema desta crónica)
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