Paulo GeraldoProfessor de Língua PortuguesaA menina tinha apenas três anos, mas os tempos eram de crise e aquele Natal não podia de forma alguma ser como os anteriores. Foi por isso que o pai se zangou seriamente quando descobriu que a criança tinha desperdiçado um rolo de papel de presente dourado para embrulhar uma caixinha que, depois, tinha ido colocar debaixo da árvore de Natal.O dinheiro era pouco naqueles dias, e o pai chegou mesmo a castigar a menina.Apesar disso, na manhã seguinte, ela levou o presente ao pai e disse: «Isto é para ti, Papá».

O pai encheu-se de vergonha, por ter tido aquela reacção. E beijou a filha.Mas voltou a “explodir” quando verificou que a caixa estava vazia. Os tempos eram de crise e não havia muito dinheiro em casa naqueles dias. E o pai gritou com a filha, perdendo um pouco o domínio de si mesmo e o domínio sobre as palavras que dizia. Entre outras coisas menos próprias, gritou-lhe: «Tu não sabes que quando se dá um presente a alguém se coloca alguma coisa dentro da caixa?»Gritou, mas não era bem com ela que estava a gritar. Era porque não tinha o emprego que desejara; porque sabia que tinha gastado demasiado dinheiro no café; porque estavam a subir os preços de todas as coisas. Tudo lhe fugia das mãos…No entanto, era a criança quem escutava os gritos, por causa de um rolo de papel dourado. Por causa de uma caixa que era uma prenda para o pai. Por lhe ter parecido que essa caixa devia ficar embrulhada no papel mais bonito que havia em casa.A menina olhou para cima, para o rosto do pai que gritava. Tinha lágrimas nos olhos. E disse: «Ó Papá, não está vazia. Eu soprei beijinhos para dentro da caixa. Todos para ti, Papá!»(Obrigado, Alice, por me teres contado esta história).Não temos feito outra coisa senão gritar com a vida, por causa da vida, e dizer mal da vida. Quando a verdade é que temos à nossa beira – de mil maneiras, de mil formas distintas – alguém que sopra beijinhos para dentro de uma caixa que é toda para nós.Que mais poderíamos desejar?Temos o Natal bem perto e queremos dinheiro para celebrar o Natal… Isso só nos acontece porque não temos uma escala correcta de valores. Ou porque andamos distraídos.Porque é que deixamos que os nossos sonhos se afastem de casa, se afastem daquilo que é real e sólido? Andamos descontentes, achamos que nos falta alguma coisa… Mas esse descontentamento resulta da nossa falta de gratidão por aquilo que temos. Já experimentámos pensar devagarinho, com sossego, em tudo aquilo que devíamos agradecer vezes sem conta?Não nos falta nada. A vida é uma festa quando sabemos saborear as coisas pequenas, aquelas que são do nosso tamanho: uma toalha limpa na mesa; uma refeição, embora simples; um pouco de sol no meio do Inverno; umas pernas que ainda nos podem levar a ouvir pássaros num jardim; uns olhos onde notamos compreensão e carinho; as crianças, que enchem a casa de luz e algazarra…Se houver crianças, haverá Natal. Porque elas nos obrigam a sair de nós mesmos; porque aquilo que nos dão – beijos soprados para dentro de uma caixa… – é mais real, mais útil e mais belo do que tudo aquilo que poderíamos adquirir com esse dinheiro em que temos andado a pensar.