Concerto de Reis no Mosteiro de AlcobaçaDavid MarianoÍamos por começar a dizer que a noite se apresentava fria no passado domingo, dia 6 de Janeiro, no tradicional Dia de Reis – mas nada disto espanta: afinal estamos no ponto alto do Inverno (e a verdade é que tivemos inveja de certas senhoras em casacos de peles bem aconchegadas) –, instantes antes do habitual Concerto de Reis ter lugar na Sacristia Manuelina do Mosteiro de Alcobaça (e num dos raros momentos em que abre durante o ano).
Íamos ainda acrescentar que as vozes de Luís Peças, o “contratenor da casa” (natural de Alcobaça tem realizado em parceria com o Município local e o IGESPAR vários momentos musicais neste monumento), e Cristina Gonçalves, Mezzo Soprano que desceu de Braga para mostrar o que viram nela os ingleses (só em Londres já actuou no Barbican Center e integrou diversas óperas como a “Carmen” de Bizet), foram o que nos salvou e aqueceu durante hora e meia de sala. Vozes quentes à temperatura certa para amolecer as almas e os corações presentes, embora muito boa parte da culpa fosse também do repertório, que abriu com Vivaldi e se centrou em diversas peças de George Friedrich Haendel, entre as quais se incluíam diversas árias de óperas do compositor germânico, tais como “Rinaldo” (não confundir com um certo jogador luso do Manchester United), “Alcina” (não confundir igualmente com qualquer autarca) e “Xerxes” (esta sim, baseada no antigo rei Persa que guerreou contra os gregos) – e foi isto que nos segurou contra a hipotermia.A acompanhar, um eficiente quarteto de cordas denominado “Projecto Ars Camerae” (donos do alto patrocínio do Município de Cantanhede) ajudou a projectar o registo dos artistas a outros céus (e se o estuque não abriu brechas em algumas inflexões mais agudas de Luís Peças não deve ter faltado muito). Já aos santos esculpidos em talha e aos floreados barrocos no tecto não passaram despercebidos, com certeza, a mensagem divina contida na celebração desta data – e se nos lembrarmos bem (se é que alguém continua a lembrar isto à miudagem depois da febre do Natal) este foi o dia em que Jesus Cristo recebeu a visita de três reconhecidos reis magos: Belchior, Gaspar e Baltazar.Se na altura, eles seguiram a direcção de uma estrela mais brilhante que as outras, nós saímos com uma ária de “Rinaldo” a ecoar entre as paredes do crânio: “Lascia ch’io pianga la cruda sorte, e che sospiri la libertá (tradução um pouco livre: “Deixe que eu chore o meu cruel destino e que deseje a liberdade”) – e com aquilo fomos na cabeça, muito agarrados à melodia, para nos impedirmos de esquecer a beleza do mundo e assim chegar a casa ainda quentes dessa certeza. Ámen.
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