António Fialho Engenheiro mecânico Passamos pelas coisas sem as ver, gastos, como animais envelhecidos: se alguém chama por nós não respondemos, se alguém nos pede amor não estremecemos, como frutos de sombra sem sabor, vamos caindo ao chão, apodrecidos. in “As Mãos e os Frutos”, Eugénio de Andrade Frequente é dizer-se que Natal é quando um Homem quiser… Pois se assim é, e ainda que faltem uns meses, mas como receio que até lá possa esquecer-me ou mudar de ideias, resolvi passar a escrito os meus desejos para o sapatinho. Quero paz, sossego e saúde. E se vier amor e o jackpot do Euromilhões ou do Totoloto também não os enjeito.
Quero sobretudo esquecer-me do Simplex, a bandeira do regime, que é mais propaganda que realidade, e do choque tecnológico num país tecnicamente analfabeto, miserável e esmoler, quero esquecer-me deste folclore vazio da Ota e do TGV, dos Berardos, dos Valentins e dos Albertos Joões e do aumento do IVA que espreita a todas as esquinas, quero esquecer-me que já não há amanhãs que cantam, que provavelmente só há amanhãs que choram. Quero esquecer-me destes tempos em que a repetição numa qualquer repartição do Estado de uma piada ao primeiro-ministro, que toda a gente diz no café, na rua, nos transportes públicos, no círculo dos amigos ou nem por isso, dá transferência do lugar e a vergonha do processo disciplinar. Congelá-lo logo a seguir não apaga o sinal de que os velhos tempos da PIDE atrás da porta a escutar, a querer saber tudo de nós, estão mais perto do que se imaginava e se desejaria. Preparemo-nos pois para ter a correspondência violada, para sermos apontados a dedo porque não nos conformamos com a mentira, com a miséria e com a podridão. Quero passar para trás das costas que vivo num país em que não é possível estar doente, porque a assistência está longe e é cara. Melhor será continuar a trabalhar, mesmo quando se tem uma doença incurável e já se adivinha a morte próxima. Os médicos certamente sabem mais da nossa doença do que nós, e a Segurança Social sabe ainda melhor, porque já são muitos os casos de doentes que, na junta médica, de súbito, são considerados como “curados” para morrerem logo a seguir. Há quem diga que o sector bancário está atento às doenças de quem contrai empréstimos e não aceita lá muito bem que a declaração duma doença incurável num qualquer cidadão se converta numa perda inoportuna das prestações por parte do banco… Quero que o meu país seja o país da verdade e da liberdade, a minha pátria do sonho de séculos e da utopia de sempre. Ou será que me aconselham a que me conforme, esteja sempre de saúde, que caia no chão apodrecido, ou que mude de país, que emigre?
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