António Caldeira (em primeiro plano) e Pedro Namora satisfeitos com a decisão do tribunalApesar de a prática merecer censura Foi absolvido o autor de blogue que no ano passado divulgou peças do processo Casa Pia que se encontravam em segredo de justiça António Paulo O Tribunal de Alcobaça absolveu no passado dia 14, o autor do blogue www.doportugalprofundo.com, António Caldeira, da acusação de desobediência simples de que era alvo por parte do Ministério Público, depois de ter divulgado em Agosto e Setembro do ano passado, peças processuais do processo de pedofilia na Casa Pia, que se encontravam em segredo de justiça por despacho proferido por um juiz do Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, e no qual decorria o julgamento daquele caso. António Caldeira publicou no seu blogue um recurso do Ministério Público sobre a não-pronúncia do então deputado socialista Paulo Pedroso, do humorista e apresentador de televisão Herman José e do arqueólogo subaquático Francisco Alves e um relatório do Serviço de Informações e Segurança (SIS), concluído em 1999, intitulado “A Pedofilia em Portugal: Ponto da Situação”.
No seu acórdão, a juíza Helena Candeias, considerou ainda que se está perante uma prática censurável e que o arguido actuou de forma deliberada e consciente. Ainda que considerando que o arguido “possa ter cometido outros crimes”, a juíza Helena Candeias concluiu no final da leitura da sentença que “este não cometeu certamente” e ditou a absolvição de António Caldeira. Reportando-se ao despacho que proibia a divulgação de peças processuais do caso em apreciação no Tribunal da Boa Hora, a juíza concluiu na elaboração da decisão que “o despacho em causa tem como destinatários jornalistas” e, ainda que entendendo que um blogue “pode ser já considerado comunicação social”, não se verificou a “comunicação regular” do tribunal ao autor do blogue.Perseguição à liberdade e democraciaNo final da audiência, visivelmente satisfeito, António Caldeira, não poupou nas palavras e considerou ser este processo um exemplo de “uma perseguição a quem luta pela liberdade e pela democracia”, sublinhando que “esta sentença representa também o respeito pelos cidadãos livres”. “Há uma vitória da cidadania e da blogosfera, contra o abuso do poder, porque é disto que se trata, uma vez que fui acusado de ter desobedecido a uma ordem que desconhecia”, salientou. António Caldeira estende ainda as suas acusações a outros blogues, como o “Muito Mentiroso” ou o “Repórter X”, por identificarem vítimas, frisando que “aquilo que está a acontecer é uma pressão política sobre todo o processo da Casa Pia, sendo este apenas um incidente”.Pedro Namora, ex-aluno da Casa Pia que denunciou os abusos e foi testemunha no processo de António Caldeira, marcou presença na sessão de leitura da sentença cujo veredicto considerou “justo”. “Seria um escândalo, se assim não fosse”, comentou Namora, que também se mostrou particularmente crítico para com outros blogues que “insistem em transcrever partes do processo e a proferir ofensas aos órgãos de soberania, sem que nada suceda”. “Neste caso apenas houve a publicação de peças processuais que já haviam sido publicadas em órgãos de comunicação social”, sublinhou Namora, salientando ainda que “do modo como as coisas estão, qualquer dia até farão sentar no banco dos réus as vítimas e quem esteve sempre do seu lado”.O caso que agora terminou com a leitura da sentença em primeira instância – não foi possível apurar se o Ministério Público tenciona recorrer – remonta a Setembro de 2004, quando o semanário “Tal e Qual” referiu que o blogue “Do Portugal Profundo” estava a divulgar peças do processo da Casa Pia. Foi aberto um inquérito e em Outubro a Polícia Judiciária realizou uma busca a casa do autor e à casa da sua mãe, ambas no concelho de Alcobaça. Da casa de António Caldeira os agentes levaram um computador pessoal que continha a sua tese de doutoramento e correspondência pessoal, e da casa da mãe um computador velho e inactivo. Equipamentos que já foram devolvidos a António Caldeira que só não recuperou as cópias das peças processuais que publicou no blogue que agora serão destruídas, por decisão da juíza Helena Candeias.Recorde-se que em fase de alegações, o Ministério Público pediu a condenação a uma pena de multa do autor do blogue, enquanto José Maria Martins, advogado de defesa de António Caldeira, defendeu a absolvição do seu constituinte, considerando que “não foi notificado do despacho”, que proibia a publicação daquelas matérias. No decurso do julgamento, foram ouvidas testemunhas como a provedora da Casa Pia de Lisboa, Catalina Pestana, o advogado Pedro Namora, o jornalista Alte Pinho e os professores universitários António Pedro Dores e José Adelino Maltez.
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