Armando Lopes ColunistaOnde é que eu já vi estes abutres, no seu voo circulante por cima de cadáveres decompostos? Foi decerto noutros lugares e noutras paisagens, mas eram estes mesmos. Só que estão agora mais velhos e faltam-lhes algumas penas. O seu voo não é, também, tão fluido nem perfeito. Mas são precisamente os abutres que eu conheci no passado. Ontem como hoje desconfiados, cautelosos e matreiros.O seu estilo, porém, mantém-se inconfundível. Piedosamente, observam das alturas a lenta agonia da morte. Discretos, impassíveis, frios, calculistas, mas atentos. Porque um abutre é sempre um abutre, mesmo quando está em declínio. E estes apenas perderam em vitalidade o que ganharam em astúcia. Aprenderam com os anos. Por isso as suas estratégias são, agora, mais sofisticadas e os seus métodos mais perversos. O tempo aguçou-lhes a arte e o engenho.
Disfarçados de políticos ou jornalistas, esperam o momento oportuno para caírem sobre a vítima. Sendo políticos, têm tudo o que um político precisa para ser um bom jornalista. Sendo jornalistas, têm tudo o que um jornalista precisa para ser um bom político. De modo que, verdadeiramente, não se chega a saber se são uma coisa ou outra. Ou até mesmo se são ambas. Não interessa, são aquilo que faz deles um genuíno necrófago. Umas vezes caixa de ressonância outras vezes alimentador de audiências.Dir-se-á que, os jornalistas, têm fontes informativas bem colocadas. Que essas fontes podem fazer revelações bombásticas, podem até violar o segredo de justiça, sem correr o risco de serem denunciadas. Dir-se-á que, os políticos, podem promover o escândalo, a suspeição e a intriga, sob o escudo protector da imunidade. Tudo isso é correcto e se confirma. Mas esta impunidade de uns e outros é um pau de dois bicos. Que tanto permite a revelação e a descoberta da verdade como a insinuação, a calúnia e a mentira.Lentamente, os abutres caem sobre a vítima e começam por lhes devorar os olhos…
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