Miguel, o pertinazO “Sal da Terra”Por François Baradez*Estando barrando, ele próprio, o seu barco de pesca que se encontrava em cima dum cais do porto de abrigo de Nazaré, fez questão da arranjar uma cadeira para me sentar perto dele e respondeu às minhas perguntas prosseguindo activamente o seu trabalho.Miguel António Delgado Lameiro nasceu na Nazaré no dia 04 de Agosto de 1966. António de Oliveira Salazar ( 1889 – 1970 ) era Presidente do Conselho desde trinta e quatro anos e o ficaria mais dois. Um mês antes, os Estados Unidos tinham pousado sobre a lua a sonda “ Surveyor I ” que transmitiu fotos de excelente qualidade da superfície lunar. Alguns dias mais tarde, começaria em Pequim, na China, a “ Revolução Cultural” incitada por Mão-Tse-Toung ( 1893 – 1976).

Seus pais eram ambos oriundos da Nazaré. O pai era pescador, a mãe trabalhava na fábrica de conservas Algarve exportadora da Nazaré.Tendo estudado até o oitavo ano, sabe ler e escrever.Foi à tropa em 1987, durante só quatro meses, três no Regimento de Infantaria de Queluz e um no CIAC de Vila Nova de Gaia. Gostou: “É a primeira experiência da vida. Aprende-se qualquer coisa”.História de vidaComeçou a trabalhar aos 14 anos de idade como pescador o que continua a ser hoje em dia. É mestre do barco “Nova Tinhinha”, uma traineira que foi fabricada em 1980 em Vila do Conde, a qual pertence ao seu pai. Teve às vezes medo mas gosta da pesca e da vida do mar. “Um homem que não tem medo do mar não tardará a afogar-se pois sairá um dia em que não deveria” lê-se em “ As Ilhas de Aran” do autor dramático irlandês de língua inglesa John Millington Synge ( 1871-1909).É o esposo de Ana Cristina , natural da Nazaré, doméstica, que lhe deu dois filhos: Melania, 12 anos, e João Miguel, 5 anos, que estudam.Gosta de comer bem e indica: “ Tem dias em que sou guloso”. Sabe cozinhar bem tudo. Como “ gourmet” (gastrónomo), seu prato preferido é o cozido à portuguesa.Interessa-o a televisão. Nela vê nomeadamente os noticiários e a bola sendo simpatizante do Sporting, clube do qual fez questão de estampar o escudo na proa da sua traineira.Seu lazer de predilecção é de tratar dos filhos. Em “O Espírito das Leis”, Montesquieu ( 1869-1755) chamou a atenção sobre o facto que “somos ordinariamente o mestre de dar aos nossos filhos os nossos conhecimentos; somos-o mais ainda de dar-lhes as nossas paixões”.Interessa-se à política. Não conheceu o regime do Estado Novo e considera que no regime actual há demais liberdade.Faz questão de votar a cada eleição.Solicitado de dizer, ele próprio, qual é a sua maior qualidade, respondeu que é de saber fazer tudo: “Tudo o que vejo, faço e aprendo a fazer. Gosto de trabalhar”. Como escreveu Elysabeth Goudge (1900 – 1984) em “A arca na tempestade”: “Procurar a felicidade no seu trabalho é como cavar uma galeria numa roca dura, à procura de ouro. Precisamos de toda a nossa energia, de toda a força e de todo o ardor da nossa natureza para consegui-lo”. Solicitado de dizer, com a mesma franqueza, qual é o seu maior defeito, retorquiu que é a teimosia a qual, para dizer a verdade, também pode ser uma qualidade cujo nome é persistência.Consultada ulteriormente, sua esposa declarou que a maior qualidade de Miguel é de ser respeitador e o maior defeito de ser ciumento.Os dias mais felizes da sua vida foram os dos nascimentos dos seus filhos. Os mais tristes foram os em que perdeu pessoas queridas, particularmente os avós.Orgulho em ser nazarenoTem orgulho de tudo o que faz.Admite de bom grado ter feito um erro ao ter ido em França durante vinte e seis dias em 1987 para ir ter com uma namorada: “Correu mal. A família dela não me queria. Como eu estava ilegal, preferi ir-me embora”.Orgulha-se muito também de ser Nazareno. A região na qual nasceu à para ele a mais bonita do país. Como terra e beira-mar, ela é esplêndida em todos os sentidos. O clima é ameno. Tem belíssimas praias. A vila da Nazaré é bela.O que mais desejaria que acontecesse neste mundo seria que houvesse paz. O matemático, lógico e filósofo britânico Bertrand Russel (1872-1970) estava certo ao observar: “ Nenhum dos males que queríamos evitar pela guerra é um mal tão grande que o é a própria guerra”.Não há nenhum sitio no Globo no qual gostaria mais de viver do que a Nazaré.A personalidade dos tempos antigos pela qual tem maior consideração é o navegador Vasco da Gama (1469 – 1524) que descobriu a rota das índias pelo Cabo da Boa Esperança “ pelo que fez”. Para os tempos actuais são os fadistas Amália Rodrigues (1920 – 1999) e Manuel de Almeida, pois gosta muito do fado.As personalidades dos tempos presentes pelas quais não tem a menor estima são:- O Presidente da Ilha da Madeira, Alberto João Jardim por ser muito arrogante e egocêntrico;- O actual presidente dos Estados Unidos, George W. Bush “ pelo seu interesse nas guerras ora não se vai a lado nenhum com guerras”.A palavra da língua portuguesa que acha a mais bela é “ amor”. Segundo um provérbio de Espanha: “ O amor olha através de óculos que transformam o cobre em ouro, a pobreza em riqueza e as lágrimas em pérolas”.A palavra da língua de Camões que acha a mais feia é “guerra”. Tal como diziam os Latinos: “ Inter arma silent leges” ( Quando as armas falam, calam-se as leis).O emprego que teria preferido a qualquer outro se tivesse a oportunidade é o de médico “ talvez por fascínio de tentar ajudar os outros”.Não há emprego que teria recusado praticar porque “ se se precisa, tem de se aceitar qualquer um, inclusive se é certo que há uns melhores e outros piores”.Por ele a felicidade é “ o bem-estar, a alegria e a saúde”.A infelicidade é “ a doença, os acidentes os contratempos que acontecem na vida”.Pescador desde os 14 anosTendo 39 anos, Miguel António Delgado Lameiro é um trabalhador perspicaz que gosta muito de aprender. Como o escreveu o romancista Marcel Prévost ( 1862-1941) em “ A arte de aprender”: “ Vontade, ordem, tempo: tais são os elementos da arte de aprender”.Desde os 14 anos de idade, ele é pescador. Gosta da vida no mar sem ignorar os seus perigos. Em “As flores do mal”, Charles Baudelaire (1821 – 1867) salientou: “ Homem libré, sempre adorarás o mar!”.É um pacifista. Cinco séculos antes da nossa era, o historiador grego Herodote recomendava: “ Devemos preferir sempre a paz à guerra; pois durante a paz, os filhos sepultam os seus pais, enquanto durante a guerra, são os pais que sepultam os seus filhos”.Por ele, o maior tesouro do mundo são os seus filhos. O escritor e filósofo Denis Diderot ( 1713 – 1784) estava certo ao evidenciar, no seu “ Discurso sobre a poesia dramática”: “ Os pais têm para os seus filhos um amor inquieto e pusilânime que os estraga. Há outro, atento e tranquilo, que os faz honestos: e é este que é o verdadeiro amor de pai”.* François Baradez é um cidadão francês de 77 anos de idade, que conhece Portugal desde 1941, que “considera” o seu segundo país. Desde que está reformado, o seu lazer preferido é fazer entrevistas de portugueses (em França ou Portugal), de todas as classes sociais.