Talal Darwih lembra-se que os dias foram ficando cada vez piores até ao momento em que, de um dia para o outro, ele e mais cinco famílias tomaram a decisão.
“A ideia não era sair do país, mas da maneira como as coisas estavam, com as mortes, os cadáveres, os mísseis a cair todos os dias, tivemos de abandonar a Síria”, conta Talal à Lusa.
Da aldeia até à fronteira com a Turquia demoraram cerca de quatro dias. Aí, foram mandados para trás várias vezes e só à quarta tentativa é que conseguiram atravessar a fronteira.
Muchima Darwih é quem conta que só conseguiram passar graças ao chefe da alfândega, que teve pena deles por causa das crianças e os deixou seguir caminho.
Na Turquia foram acolhidos por um familiar, com quem permaneceram dois anos, ao mesmo tempo que iam trabalhando para arranjar o dinheiro suficiente para conseguirem entrar na Europa. É ainda na Turquia que nascem as duas filhas mais novas, Fatima, de quatro meses, e Rimas, com um ano e meio.
O passo seguinte foi o mesmo que para muitos outros refugiados: tentar entrar na Europa através da Grécia.
Mas, mais uma vez, só à quarta tentativa é que conseguiram fazer a travessia de barco, pela qual pagaram 4 mil dólares para os sete terem lugar numa embarcação com mais 600 pessoas.
A viagem demorou pouco mais de uma hora, o suficiente para verem “muitas pessoas morrerem”, e acabaram resgatados por um barco grego quando estavam perdidos em alto mar.
E é da Grécia que chegam a Portugal, em março, país que não conheciam, mas que rapidamente se tornou a sua nova casa.
“Quando chegámos ao aeroporto [de Lisboa] a nossa preocupação era como é que seriamos recebidos e para onde íamos. Mas quando chegámos à Nazaré, não há explicação para a forma como fomos recebidos. Sentimo-nos em casa, sentimo-nos em paz e a vida das crianças já está segura”, recorda Talal.
A família de nove pessoas foi acolhida pela Confraria da Nossa Senhora da Nazaré, residindo numas instalações da instituição, enquanto não acabam as obras na habitação que lhes está destinada e que deverão estar concluídas nas próximas semanas.
Para o presidente da confraria, Nuno Batalha, este tem sido um processo de descoberta mútuo em que, dia a dia, aprendem a acolher e a integrar, procurando a melhor forma de o fazer o mais rapidamente possível.
“Na cultura destas famílias não está comer a carne como nós a comemos, procuram a carne halal. Nós não sabíamos, estamos a aprender. É um pequeno exemplo de como tudo tem de ser bem pensado e medido. Esta família no fundo também nos está a ajudar a aprender”, exemplificou o responsável.
Segundo o presidente da confraria, as principais dificuldades iniciais tiveram sobretudo a ver com problemas burocráticos, desde a aquisição de um número de contribuinte ou a inscrição nas Unidades de Saúde Familiar.
A intervenção divide-se em três partes, desde ao nível dos cuidados básicos, a integração na rede escolar e no mercado de trabalho e, a terceira, a autonomia plena.
Para isso é também importante que a confraria receba a compensação financeira a que tem direito e que foi estipulada pela União Europeia para os refugiados recolocados, mas que, até agora, ainda não chegou.
Verbas que seriam igualmente necessárias para trabalhar a autonomia da família, já que a gestão do orçamento familiar tem sido feita pela instituição.
Entretanto as seis crianças mais velhas – Rimas (18 meses), Shahad (3 anos), Raghd (6 anos), Ali (8 anos), Khaled (10 anos) e Sadam (13 anos) – já estão na escola.
“A primeira coisa que encontrei [na Nazaré] foram amigos que gostaram de mim e o que eu mais quero é aprender a falar português”, disse Sadam, acrescentando depois algumas palavras que já aprendeu, como bom dia, boa noite ou os números.
Para Talal e Muchima, Portugal é o país onde as pessoas que os acolheram fizeram com que se sentissem em casa, esquecessem as dificuldades e onde esperam encontrar um trabalho e viver uma “vida normal”.
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