As estórias reunidas “são contadas num estilo literariamente livre e despretensioso. Fazem parte da Pequena História e são definidores da nossa mentalidade, bem como da memória de um tempo onde a oralidade tinha papel preponderante”, refere o autor.
Na sua maioria, as estórias refletem o lado irónico e sarcástico do humor e de um certo estar nazareno que, como os demais, têm as suas próprias especificidades. “Algumas delas presenciei-as e as outras, que me foram contadas ou lidas, se não são verdadeiras … bem o poderiam ser. Há ainda aquelas que mesmo sendo autênticas, mas com origem noutro lugar, o facto de os nazarenos as divulgarem como sendo suas, protagonizadas por um dos seus, acontece porque se identificam com elas e daí a voluntária integração no seu imaginário”.
Comum a todas é também o serem fruto de várias convivências e amizades, quer quanto ao conteúdo, quer quanto ao propósito de as registar e apresentar em livro. E é aqui que aparece o Zé Luís, José Luís Alves Pereira, nazareno por opção, ex-candidato autárquico e durante anos médico da Mútua de Pescadores, entre muitas e boas outras coisas.
Adianta o autor “Viver é pouco. Conviver é humanamente mais natural e rico, com o que tem de partilha de afetos e vivências. Dá-nos o ouvido, o lido e o visto, que a memória selecionará e guardará. Da minha, ainda adolescente, fazem parte os serões em casa de meus pais, onde a presença da minha avó paterna era a certeza de brincadeiras e risos, à volta de um inocente jogo de loto -literalmente a feijões- e pretexto para ouvirmos estórias que ao longo da sua vida foi recolhendo, por experiência própria ou alheia. Lembro:
“Uma vez uma mulher da Praia disse para o seu homem que só tinha três ovos para o jantar, dois para ela e um para a ele. Este começou a discutir por não concordar com aquela distribuição.
– Eu é que como dois porque farto-me de trabalhar!
– E eu passo os dias refastelada à frente do mar sem fazer nada, é?
Exaltaram-se e a gritaria foi subindo de tom. O homem enervou-se tanto que acabou estatelado no chão. Foi dado como morto e amortalhado na sua cama como era o costume.
Em poucos minutos toda a vila sabia da triste notícia e familiares e amigos foram aparecendo para o velório. Até o Zé Coxo, assim alcunhado desde a nascença.
A meio da noite o morto levanta-se e começa a gritar:
– Eu como dois, eu como dois!
Os presentes, aterrorizados, num ápice, com grande alarido, procuraram chegar depressa à rua. O Zé Coxo, consegue pôr-se de pé, encaixa a muleta no sovaco e foge porta fora gritando aflito:
– Ai valha-me Nossa Senhora. Eu sou um, quem será o outro?”
A apresentação do livro, que esteve a cargo de Manuel Freire, teve lugar na Tavena do T’Izelino, e contou com as intervenções do ilustrador Zé Oliveira e do autor, Júlio Murraças, e acompanhamento musical de Bino, músico nazareno.
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