À entrada da Câmara, alguns populares exibiam a faixa onde se podia ler: “Querem privatizar as águas da Nazaré”.
Na reunião, a discussão foi acalorada, na altura da intervenção do público, tendo falado sobre o tema Alda Maria, António Santos, Rui Coelho, Júlio Caseiro, António Varela, Manuel Pereira, José Monteiro e António Peixe.
“A população da Nazaré não foi ouvida sobre esta ação do executivo municipal. Não conhece sequer os contornos deste negócio. Não aceito, porque não foi apresentada por nenhum partido, na campanha eleitoral de 2009, nenhuma proposta que visasse o fim agora apresentado. Tenham coragem de nas próximas eleições autárquicas apresentarem este assunto da privatização da água nos vossos programas eleitorais e só depois falem então à população”, manifestou António Santos, que deixou no ar a ideia de que a concessão serviria para pagar as dívidas da Câmara.
António Varela recordou que o assunto foi discutido há um ano e disse que esperava que o presidente da Câmara anunciasse a realização de um sufrágio à população sobre a privatização.
“Foram entregues nesta sala 1200 assinaturas contra a privatização e isto não é respeitar a vontade popular. Isto é uma burla. Os vereadores que votarem a favor estarão a trair a população”, declarou.
Manuel Pereira questionou: “Já se pensou sobre os trabalhadores que estarão em risco se a água for privatizada?”.
José Monteiro expressou a sua indignação. “Custa-me perceber como é que uma autarquia, sabendo o estado em que a sociedade está, a carga fiscal que as pessoas têm, ainda se mantém nesta insistência em privatizar um bem que é de todos”, afirmou, interrogando o presidente da Câmara se “pode garantir que não vai para nenhum conselho de administração [relacionado com a empresa a que for concessionada], já que é o seu último mandato”.
Presidente explica
“Este contrato não será assinado no próximo ano, pelo que o argumento de querer pagar dívida com esta solução não corresponde à verdade”, assegurou o presidente da Câmara, assim como “não está no meu horizonte integrar qualquer conselho de administração que tenha a ver com esta questão”.
O autarca revelou que os trabalhadores dos serviços municipalizados “mantêm o estatuto de funcionários públicos, e os que entenderem trabalhar para a empresa podem fazer, mas não perdem o vínculo. Os outros serão integrados em serviços da Câmara”.
Jorge Barroso explicou que os sistemas de água vão ser obrigatoriamente concessionados, existindo três hipóteses – a concessão à Aguas de Portugal, à Comunidade Intermunicipal do Oeste ou a abertura de um concurso público internacional pela autarquia para concessionar a água mediante as normas que estabelecer.
É esta última opção que considera a que “melhor defende a nossa água durante 30 anos e invalida qualquer tentativa de privatização”. “Vamos ter água mais barata do que as outras soluções – mantendo os 2,09 euros/ metro cúbico de água, corrigidos de acordo com a inflação, e não os 2,50 ou 2,97 previstos nos outros estudos”, sublinhou.
“O Município terá a capacidade de decidir sobre o tarifário, o que não acontecerá nas outras situações”, sustentou o presidente da Câmara. “Será feito investimento na rede nos primeiros sete anos de dez milhões de euros e no fim a obra transita para o município. Defendo que haja balcões de atendimento em todas as juntas de freguesia e a empresa [que ganhar o concurso] será sedeada na Nazaré, com piquete de reparação de avarias”, descreveu.
Vereador António Salvador renuncia a pelouros e a vencimento
O vereador António Salvador foi o único a opor-se, chamando a atenção de que “concessões, mesmo as efectuadas com base em bons contratos, projecções e estudos de especialistas de grande rigor e competência, estão a ter custos de valor incalculável para os portugueses (caso das Concessões SCUT, e outras, em que o Estado entregou aos privados a sua função, com base em bons estudos e projecções, e cujos contratos agora vamos ter de pagar, como utilizadores e contribuintes)”.
Na declaração de renúncia aos pelouros (Ordenamento do Território, Planeamento e Urbanismo, Desenvolvimento Económico e Trânsito) e ao regime de tempo inteiro, justificou a decisão por não se rever “em algumas das opções e soluções de fundo que têm sido postas em prática neste mandato”, as quais considera poderem ter “um impacto negativo na economia das pessoas e das famílias, sobretudo tendo em conta a atual situação do país”.
“Os recursos básicos devem estar no domínio e na gestão das entidades públicas e na posse do Estado”, defendeu o nº 2 eleito para Câmara e diretor de campanha, numa declaração de voto em que alegou que, em final de mandato, o atual executivo não deve condicionar a forma como se irá gerir no futuro um bem essencial como a água”.
António Salvador considerou não poder cumprir o que defendeu “junto da população” nem serem estes “a estratégia e o caminho políticos” apresentados “no programa eleitoral que venceu as últimas eleições autárquicas”.
Para o vereador, “existem outras soluções políticas que respeitam a ideologia democrata, social e económica” e que “defendem melhor a população”, pelo que optou por renunciar aos pelouros e ao vencimento, apesar de pretender cumprir o mandato até ao final.
“Passo a ter condições para agir de acordo com a minha convicção pessoal e poderei defender as soluções em que acredito para servir a população do concelho”, referiu na declaração de renúncia o também membro da Comissão Política do PSD Nazaré e membro efetivo da Comissão Política Distrital do PSD de Leiria, presidente do Secretariado Distrital dos TSD e membro do Conselho Nacional dos TSD.
A renúncia foi apresentada na sessão de câmara depois de Jorge Barroso ter proposto o lançamento de um concurso público para a concessão dos serviços de água e saneamento, da qual António Salvador discorda.
“O meu desempenho tem sido, até hoje, de lealdade, institucional e pessoal, compatível com as condições em que tenho exercido o cargo, e de solidariedade com as opções políticas do presidente da Câmara.
A minha relação pessoal e institucional com o presidente da Câmara tem sido cordial e adequada, tal como com os demais vereadores. Irei contribuir para que assim se mantenha, como espero que o façam também, e podem continuar a contar comigo para colaborar na concretização do programa sufragado pela população”, garantiu António Salvador.
Jorge Barroso considerou tratar-se de “uma atitude legítima e frontal” por parte de quem, “não concordando, o assumiu e tomou a posição que considera mais correta”.
O presidente da Câmara sublinhou o seu “legítimo direito de considerar que a melhor solução para o concelho será o lançamento de um concurso público internacional para gestão da água”.
O assunto será remetido à assembleia municipal.
PS critica mas vereadores aprovam
A abertura do concurso público para a concessão da gestão da água teve os votos favoráveis dos dois vereadores socialistas, Maria João Ramos e Vítor Esgaio, mas a comissão política concelhia do PS, em comunicado, considerou “inaceitável” esta medida, apontando que “a um ano de eleições é sinal de que algo de obscuro se esconde por detrás desta atitude”.
Valter Chicharro, presidente do PS nazareno, acusou o presidente da Câmara de defender a concessão com a “única finalidade de garantir chegar ao fim do mandato”.
O dirigente sustentou que a decisão irá “prejudicar atuais e futuras gerações de munícipes do concelho da Nazaré e condicionar as próximas gestões autárquicas ao entregar a privados estes serviços por 30 anos”, pelo que manifestou “total oposição” à concretização da medida.
CDU contesta “negócio”
“Com a privatização da água perdem as populações e perdem os trabalhadores. A privatização transforma sempre o serviço público em negócio. Nos concelhos onde a água já foi privatizada os custos para os consumidores domésticos do serviço de abastecimento de água são 30% mais caros quando comparados com os preços de outras entidades gestoras, como sejam as integradas nos serviços municipais”, comentou a CDU da Nazaré.
Em comunicado, os comunistas fazem notar que sobre a abertura de concurso público internacional para a concessão, por trinta anos, das águas da Nazaré, “nunca a população foi ouvida sobre esta ação do executivo municipal. Não conhece, sequer, os contornos deste negócio, que, a pedido do executivo municipal, foi feito a partir de gabinetes de empresas, pagas a preço de ouro por todos nós contribuintes”.
“Não aceitamos esta farsa, porque este negócio não foi apresentado por nenhum partido ou coligação na campanha eleitoral de 2009. Ninguém apresentou proposta que visasse o fim agora exposto. A privatização não vai resolver ou atenuar significativamente a enorme dívida criada por este presidente de câmara”, manifestou a CDU.
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