Armando LopesColunistaTodas as manhãs, lá estão elas aninhadas na areia, de peito virado para o sol. Habituei-me a vê-las quando faço os meus passeios matinais. Observo-lhes a postura e o voo. Uma como outro, serenos. Como quem não vive permanentemente o sobressalto de ter contas para pagar, compromissos para assumir. As horas passam por elas, naturalmente, e elas absorvem-nas em plenitude. Despreocupadas e mansas, desfrutam o abraço do sol, a música das ondas, a carícia da brisa a deslizar, suave, sobre a penugem.Olho-as e invejo-as. Como seriam bem melhores os nossos dias se não tivéssemos esta pressão permanente do quotidiano. Se pudéssemos, como elas, aquecer o coração com o sol da manhã. E, de repente, apagar todas as inquietações, todas as fadigas, todos os medos que nos diluem e escondem o sabor dos dias.
De facto, são bem mais felizes do que nós, as gaivotas. Sem horários estabelecidos a roubarem-lhes o prazer das horas de sonho. Sem a crise a perturbar-lhes a tranquilidade e a encher-lhes o futuro de pesadelos. Sem terem nem um governo que as prejudique nem uma oposição que as decepcione. Doces e calmas como as ondas do mar que se espreguiçam longamente na praia, deixando na areia o seu rasto de espuma branca e leve.Para nós, seres racionais, o tempo corre, tristonho. Na angústia permanente de perder o emprego, de não pagar o empréstimo, do dinheiro não chegar até ao fim do mês. E, como se isso não bastasse para nos infernizar os dias, ainda somos obrigados a assistir ao espectáculo deprimente da ambição dos políticos. Disputando freneticamente um lugar ao sol, encetando constantemente guerras de alecrim e manjerona para alcançar um poleiro. Sem pudor nem escrúpulos. Usando, apenas e só, a indignação dos eternamente explorados para atingirem objectivos pessoais. Mesquinhos, interesseiros e oportunistas. Transformados em aves de rapina ou passarões emplumados, quando deviam ser gaivotas…
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