“Mil e Uma Noites” num espectáculo para famíliasDavid MarianoParece que tudo começa na antiga Pérsia (é como no princípio do Mundo: ou pelo menos no princípio da civilização humana), com a história do Rei Shariar, quando este descobre que está a ser traído pela esposa e, após um acesso de fúria, mata os dois amantes (podia ser mais um episódio de violência doméstica na primeira página de um jornal sensacionalista português, mas aqui, felizmente, é só o princípio de uma das mais míticas narrativas literárias de sempre). É sabido que se a vingança não traz apaziguamento, o rei acaba por tomar uma decisão terrível: cada noite vai casar-se com uma nova mulher e, na manhã seguinte, ordenar sua execução, para nunca mais ser traído. Assim procede por três anos, causando o terror e o pânico em todo o Reino.
Um dia, a filha mais velha do primeiro-ministro, a bela e sábia Xerazade, diz ao pai que tem um plano para acabar com a barbárie do rei. Para aplicá-lo, porém, ela precisa de se casar com ele. Horrorizado, o pai tenta convencer a filha a desistir da ideia, mas Xerazade está decidida a acabar de vez com a maldição que aterrorizava a cidade. Na noite de núpcias, Xerazade começa então a narrar uma intrigante história que cativa a atenção do rei, mas não tem tempo de acabar antes do amanhecer. Curioso por saber o fim do conto, Shariar concede-lhe mais um dia de vida.Sim, já ouvimos esta história que não é apenas mais uma história: é uma das mais belas histórias do mundo. Uma história sobre o poder das histórias que nos iluminam a vida, uma história sobre a magia da ficção e sobre como a ficção nos pode salvar a vida. Não é segredo para ninguém que esta foi a história de Xerazade em “As Mil e Uma Noites” e será ainda a história de “Xerazade não está só!”, um espectáculo para toda a gente que entrará em cena no Cine-Teatro de Alcobaça no próximo dia 12 de Dezembro, pelas 21h 30, levado a cabo pela Lua Cheia – Teatro para Todos.Há muito de Hitchcock neste prazer mórbido de alimentar o suspense (porque o suspense não suspende apenas a vida, dá-lhe ainda a eternidade), não apenas por as histórias de Xerazade, muito envolventes, serem sempre interrompidas na parte mais interessante, mas essencialmente porque queremos saber sempre mais: queremos entrar na sombra que tanto nos fascina como nos amedronta. A história de Xerazade não tem autor (ou antes, nunca foi conhecido o seu autor) porque as histórias de “As Mil e uma Noites” eram contadas de uma pessoa para outra, sem que chegasse a saber quem as tinha inventado (consta que muitos adicionaram pelo caminho o seu ponto ao conto), fazendo parte da tradição oral do povo árabe, com os seus contadores de histórias que reuniam multidões nas ruas e mercados.
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