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Pesca com morte anunciada

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António Formiga do Sacramento ( Tareco) e filho, Manuel Grilo Maria Neto António Trindade o rosto da luta dos pescadores da NazaréTânia RochaDuas vidas dedicadas à pesca e ao mar. São dois pescadores genuínos nazarenos. A história de uma família de pescadores que mantêm viva a pesca tradicional na Nazaré.António Formiga do Sacramento, mais conhecido […]

António Formiga do Sacramento ( Tareco) e filho, Manuel Grilo

Maria Neto

António Trindade o rosto da luta dos pescadores da NazaréTânia RochaDuas vidas dedicadas à pesca e ao mar. São dois pescadores genuínos nazarenos. A história de uma família de pescadores que mantêm viva a pesca tradicional na Nazaré.António Formiga do Sacramento, mais conhecido por Tareco, tem hoje 71 anos de idade. Foi aos catorze anos que começou a trabalhar no mar, na pesca do bacalhau. Durante nove anos trabalhou em alto mar, horas indeterminadas, que só o trabalho podia ditar. É descendente de uma larga família de pescadores. Na altura, o mar era o destino mais comum e quase decidido para muitos.

António do Sacramento fala desse tempo com a lembrança de muitas dificuldades. Episódios trágicos e o facto de estar muito tempo longe da família foram os motivos que o levaram a deixar a pesca do bacalhau e investir na pesca na Nazaré.Começou como mestre num barco que não era seu. No entanto, mais tarde decidiu investir no seu futuro e, no futuro que, também viria a ser o destino do seu filho. Foi proprietário de várias embarcações, de vários tamanhos, adequadas a vários tipos de pesca, para zonas distintas, com alguns pescadores a trabalharem para si. Era o arrais de todos eles. O homem que guiava o barco para um destino mais seguro e produtivo, e também, aquele que enfrentava o mar nas situações mais difíceis, que tinha de ter o saber de o dominar para manter a segurança de todos. Hoje recorda com o seu filho uma situação perigosa que ambos viveram. António do Sacramento conseguiu vencer a situação e sair com o seu filho e os seus homens ilesos do acidente. Contudo, o seu filho, Manuel Grilo, confessa não se ter sentido muito preocupado com a situação. A confiança cega nos saberes do seu pai não lhe deixaram sentir o medo de que algo pior pudesse acontecer. Manuel António Grilo, de 42 anos, seguiu os passos e os caminhos do seu pai. Além da profissão e alcunha em comum, também partilha a mesma paixão prematura pelo mar e pela pesca. Manuel Grilo começou a trabalhar com o seu pai aos treze anos. Conforme o tempo ia passando, mais aumentava a sua paixão pelo mar e a vontade de sentir a adrenalina da pesca, até ao ponto de decidir trocar os livros pelos barcos.Foi com uma atitude determinada que decidiu a sua profissão, aquilo que queria e viria a ser. Foi a trabalhar com o seu pai que aprendeu os ensinamentos e adquiriu a experiência necessária, até chegar a ser mestre do seu pai. Manuel Grilo diz “que não sabe o que o futuro lhe reserva”, todavia, é com segurança que declara que “esta é a vida que quer ter”, quer estar ligado ao mar e continuar a sentir na pele a entusiasmo e o desafio diário que o mar lhe proporciona.Ao pai pescador foi a doença que o afastou da luta das marés. É com muita nostalgia que fala da sua vida enquanto pescador. É a sua doença que o afasta das ondas, pois se assim não fosse, afirma garantidamente, que ainda hoje andava ao mar. Agora, sofre mais ao ver o seu filho no mar e perceber que está afastado. Assegura que “a pessoa que está em terra sofre mais do que quem está no mar”, “quando o meu russo está no mar, à borda, nunca mais os meus olhos se fecham”. Porém, não está totalmente desligado da vida de pescador. Actualmente, passa a maior parte do tempo a ajudar o seu filho nos trabalhos em terra. É uma forma de ainda se sentir em contacto com a profissão que enfrentou toda a vida. A geração futura desta família também não foge à regra do que está a acontecer actualmente na Nazaré. O filho de Manuel Grilo Formiga, Hugo Grilo, não pretende seguir a vida de pescador. E desta forma acaba com a tradição muito antiga da sua família. Afirma querer outro caminho, porque “a vida de pescador não dá para viver com grandes condições”.Manuel Formiga é da opinião que a pesca na Nazaré vai acabar, porque o pescador não tem um ordenado fixo por mês. É por esta mesma razão que não dá incentivo ao seu filho para esta profissão, que está a tornar-se cada vez mais escassa e precisa na Nazaré. No seu ponto de vista, só com mudanças a nível governamental esta situação poderia ser colmatada.Para o único pescador activo desta vasta família de pescadores, que o foram outrora, a vida de pescador e o contacto com a natureza é “maravilhoso”. É a luta de todos os dias que o faz ter força e vontade de continuar, é algo que está dentro de si, uma paixão que o põe à prova todos os dias. A sua sobrevivência depende do seu desempenho e cumprimento diários, que em muitas situações é também dificultada por diversos factores. É com tristeza que adivinha que a pesca é mais uma das coisas que vai acabar na Nazaré, mais uma das raízes da caracterização da cultura nazarena que vai deixar de existir.Estudo sobre a Nazaré dá prioridade aos mais velhosA Nazaré foi alvo de um estudo académico, em 2004, no âmbito de uma disciplina do Curso de Línguas e Literaturas Modernas da Universidade Nova de Lisboa. “Entre Pexins e Palecos”, foi o título que a autora do seminário, Marta Neto, atribuiu à sua investigação. O objectivo mais amplo da disciplina era saber se Portugal era mais mar ou mais terra. A autora escolheu como objecto de estudo a Nazaré, porque é uma vila que tem mar, mas é toda envolvida por terra, ou seja, nas zonas mais próximas, como Valado dos Frades, Pederneira e Famalicão, a actividade principal é a agricultura.Para a concretização do seminário, Marta Neto passou três meses na Nazaré, entre Maio e Julho de 2004. Estabeleceu contacto com os residentes, cultura, história e particularidades da vila. Através da observação que fez e documentação que utilizou, a autora conseguiu analisar, em termos gerais, toda a progressão de mais de um século de história, desde 1900 até aos dias que correm. Ouviu vários nazarenos, mas só contemplou os mais velhos, ou seja, com mais de 65 anos, pois, na sua opinião, “ os mais novos não fazem ideia das lendas e histórias que existem”, por isso, são os mais velhos que têm “o saber da cultura nazarena”.A criadora do estudo, constatou que tudo na Nazaré está ligado ao mar, “as expressões, o nome das pessoas e das ruas, as lendas, as cantigas e cegadas, o vestuário, a maneira como os pescadores fazem as redes, assim como, o temperamento e tom de voz das pessoas. Acredita que a Nazaré possui uma “grande riqueza a nível histórico, um encanto, uma tradição única”. Segundo Marta Neto, “os “pexins”, ou seja, os pescadores, começaram a envolver-se com os “palecos”, pessoas de fora que se diferenciavam por “usarem colete”, primeiro por causa da venda do peixe, e mais tarde com o aluguer dos quartos”. O termo “paleco”, foi uma designação que o nazareno utilizou para designar todo o estrangeiro ou português que não fosse da Nazaré. O nazareno foi-se envolvendo cada vez mais com gentes de fora, desenvolvendo e descobrindo a sua forte capacidade de negociante. “Todo o nazareno tem a arte de vender muito bem o seu produto”, confessa a autora, do negócio do peixe e do turismo, actualmente e cada vez mais “dedica-se à arte hoteleira”.Nas conclusões principais, a autora, considera que a “mulher da Nazaré é o chefe de família”, porque, normalmente, os maridos estavam muito tempo ausente, na pesca. Além disso, conclui que ao longo do tempo “a Nazaré foi considerada um dos destinos preferidos para se viver”. Contudo a principal ilação do seminário, é que “ainda há muito para descobrir na Nazaré, a cultura está muito pouco desenvolvida” e, principalmente, que toda “a riqueza cultural vai morrer com os velhos nazarenos, porque não são ouvidos, e por essa razão levam os conhecimentos com eles”. No entanto, Marta Neto, tem a noção, que só conseguiu contemplar “uma ínfima parte de toda a cultura Nazarena”, pensa que ainda há muito para estudar, desenvolver e divulgar. A Nazaré “está a perder com o tempo a pesca, o turismo de pesca”, e cada vez mais o pescador está a tornar-se um “gestor hoteleiro”. Constata que “o turismo nazareno é muito mal vendido”, visto que não há divulgação de toda a riqueza nazarena. A Nazaré está a perder a sua identidade, cada vez mais os “pexins” estão a misturar-se com os “palecos”. As tradições, as vestes, as formas de vida vão-se perdendo com as gerações mais novas e futuras, o encanto que é a Nazaré e tudo o que a envolve está a destruir-se com a modernidade. A “pesca está a morrer”, os “nazarenos a deixar de viver no centro na vila”, “os mais novos não conversam com os seus avós”, perdendo assim, a noção da sua história, tradição e cultura nazarena. A autora, que não é nazarena, confessa que se sente “apaixonada pela vila” e que o mar da Nazaré lhe transmite uma grande paz de espírito.Trindade continua a lutar pelos pescadoresO actual vereador da Câmara Municipal da Nazaré não se conforma com a resposta do gabinete do ministro da agricultura, do desenvolvimento rural e das pescas. O pedido que enviou ao primeiro-ministro, José Sócrates, foi no sentido de mudar a legislação que impede o pescador reformado de acumular funções a bordo da embarcação.António Trindade está a tentar mudar a situação dos pescadores reformados, que estão impedidos de acumular funções a bordo da embarcação. Desde Abril há um seguimento de cartas enviadas ao ministro da agricultura, do desenvolvimento rural e das pescas, Jaime Silva. A justificação que foi dirigida ao vereador pelo gabinete do secretário de Estado adjunto da agricultura e das pescas, foi que “o decreto-regulamentar nº 2/98, de quatro de Fevereiro, veio introduzir uma alteração que permite a acumulação de qualquer outra actividade, excepto com o exercício da actividade a bordo de embarcação de pescas, na qualidade de inscritos marítimos”, sendo que a legislação actual é “equilibrada e que pretende evitar a discriminação de tratamento relativamente a outras profissões”. O vereador sublinha que pretende a alteração na legislação para os pescadores que recebem um pensão inferior a uma vez e meia o ordenado mínimo nacional.Em resposta à carta enviada pelo mesmo gabinete, o vereador remata com a situação dos reformados da marinha mercante, que afirma “poderem acumular funções legalmente, usufruindo em simultâneo, de reformas elevadas”, o que constitui, na sua opinião, “uma discriminação em relação aos pescadores, que recebem reformas insuficientes para o sustento familiar”. Esta constatação por parte do vereador foi encaminhada para o gabinete do secretário de Estado da segurança social. Em resposta, o gabinete do secretário de Estado adjunto, da agricultura e pescas, diz que “os pensionistas não podem exercer qualquer função na marinha mercante, salvo com o acordo do respectivo sindicato”. Contudo, na carta enviada há a promessa que “todos os regimes especiais de acesso antecipado à pensão por velhice serão revistos no curto prazo e este será um dos pontos a esclarecer e clarificar do ponto de vista normativo”.Já enquanto presidente da Junta de Freguesia da Nazaré, António Trindade, realizou acções no sentido de mudar a situação dos pescadores reformados que “não conseguem ter uma vida condigna com a baixa reforma que recebem”. O vereador destaca que “a situação de reforma dos pescadores é uma desigualdade de tratamento entre os pescadores e os outros beneficiários da Segurança Social”. Defende que a mudança é um processo fácil, bastava “mudar na lei o motivo da reforma do pescador”, que actualmente se prende com o desgaste prematuro e com a penosidade a bordo das embarcações de pesca.De forma a contornar alguma ilegalidade, alguns pescadores e mestres reformados estão autorizados a ir a bordo das embarcações com a figura de “ir assistir à pesca”, pois desta forma não são multados pela Polícia Marítima. Contudo, para que isso não aconteça não podem navegar sozinhos, ou seja, têm de estar presentes na embarcação, no mínimo, mais dois pescadores matriculados. António Trindade salienta que o problema das pescas não existe só na Nazaré, “é um problema a nível nacional”, mas não há reivindicação em qualquer outro local. A Nazaré “tem peixe, embarcações, mas faltam os pescadores e principalmente arrais, ou seja, o mestre da embarcação”. O vereador pensa que se não houver “uma alteração na legislação a pesca na Nazaré vai morrer”.

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