30 anos de poder local – reflexões reais Joaquim Marques Formado em Ciências Politicas e Administrativas “A democracia só é possível e duradoura quando os cidadãos efectivamente sentem que têm directa interferência na gestão das comunidades em que imediatamente se situam” é uma afirmação do então Deputado Jorge Miranda proferida no plenário da Assembleia Constituinte, em 14 de Janeiro de 1976. O agora professor catedrático das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa já nessa altura destacava a necessidade do envolvimento dos cidadãos na vida politica local. Pretendia-se fomentar a participação popular de tal forma que o então deputado Jorge Miranda, defendia que “a Constituição deve prever a interferência das organizações populares de base – nomeadamente associações de moradores – no exercício do poder local”. Essa participação cívica foi defendida pela maioria dos deputados da Constituinte, de tal forma que ainda hoje as Comissões de Moradores estão previstas na nossa Constituição, mas já desapareceram da nossa realidade social.
O próprio Jorge Miranda recordou estas afirmações num ciclo de conferências sobre os “30 anos de Poder Local”, promovida pela Universidade do Minho, em Novembro de 2006, durante a qual reconheceu que “a participação directa e imediata dos cidadãos não tem ido além das eleições de quatro em quatro anos” e admite “em geral, tem faltado uma autêntica cultura de debate sobre os problemas locais”. E argumenta “muitas dessas esperanças não passaram de ilusões. Ora é indispensável que elas renasçam; é indispensável vencer o pessimismo e o alheamento cívico, é indispensável um redobrado esforço dos eleitos locais pela transparência e pela honestidade e dos cidadãos pela exigência e pela participação”. Na comemoração dos 30 anos do Poder Local importa reflectir porque é que os cidadãos se afastaram da política, sobretudo da política local que é a que mais directamente condiciona as nossas vidas. Em 14 de Janeiro de 1976 já Jorge Miranda deixava essa resposta quando dizia “a democracia em Portugal depende largamente da medida em que esta Assembleia (Constituinte), o futuro Parlamento e o futuro Governo souberem e quiserem captar o alcance do Poder Local; depende da medida em que os partidos compreenderem que a democracia só poderá vingar se se apoiar em fortes instituições municipais e regionais com efectiva participação popular”. De facto o poder legislativo, não quis, e não foi capaz de criar leis que fomentassem a transparência na vida política. Veja-se a ineficácia da lei que regula o funcionamento das juntas e das assembleias de freguesia. Nenhum partido até hoje foi capaz de pegar na realidade do poder local e corrigir esta lei ineficaz. Como se pode compreender que uma grande maioria das juntas de freguesia não tenha norma de controlo interno, não tenha inventário, não tenha livro de reclamações, não cumpra o Estatuto do Direito de Oposição, não registe as suas deliberações em acta, não resposta sequer aos eleitos da sua assembleia de freguesia, que não elabore as tabelas de taxas e licenças aplicando-as pura e simplesmente a seu bel prazer, sem que isso acarrete qualquer sanção material ou jurídica. De tal forma que quem está numa junta de freguesia pode fazer o que entender e as oposições estão destituídas de direitos de intervenção. Isto só serve para afastar os cidadãos da vida politica local, reservando essas funções para meia dúzia de acólitos partidários. E é certo que o comportamento dos políticos e dos partidos tem sido muito negativo de tal forma que não só não foram capazes de atrair os cidadãos como tem contribuído para que os cidadãos se afastem da política. Eles que deveriam ter sido instrumentos de desenvolvimento tornaram-se ao longo destes anos quase só em meios de caça ao voto, ou melhor de caça aos empregos, para alimentarem os seus acólitos, muitos dos quais sem competência nem valor. Os cidadãos não se afastaram da política foram afastados da política.
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