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Eu e Fidel, no Rio de Janeiro *

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Daniel AdriãoEx-jornalista e vereador na Câmara Municipal de Alcobaça eleito pelo PSCrónica publicada na edição de 29 de Agosto da revista “Focus”*.Rio de Janeiro, 29 de Junho de 1999, segundo e último dia de mais uma Cimeira de Países da América Latina, Caribe e União Europeia, para cuja cobertura fui destacado pelo jornal Semanário. Uma […]

Daniel AdriãoEx-jornalista e vereador na Câmara Municipal de Alcobaça eleito pelo PSCrónica publicada na edição de 29 de Agosto da revista “Focus”*.Rio de Janeiro, 29 de Junho de 1999, segundo e último dia de mais uma Cimeira de Países da América Latina, Caribe e União Europeia, para cuja cobertura fui destacado pelo jornal Semanário. Uma cimeira que acabaria sem história, nem conclusões relevantes, isto é: sem constituir notícia. Não para mim. Ao fim da manhã, no hotel Rio Othon Palace, em plena Avenida Atlântica – a poucos metros do luxuoso Copacabana Palace, onde por esses dias se instalou a “nata” dos lideres europeus, incluindo o então primeiro-ministro português António Guterres – deu-se um facto inesperado que haveria de marcar para sempre a minha memória dos tempos de jornalista.

Fidel Castro, o mais mediático dos líderes mundiais presentes na cimeira, resolvera ocupar todo o quinto andar do discreto Othon, como sempre, rodeado de apertadas medidas de segurança. Os dois pisos que separavam o meu quarto do de Fidel, eram tão intransponíveis como a curta distância que divide Havana da ilha prisão de Guantanamo. As raras investidas que pude ensaiar, buscando alguma aproximação física ao Presidente cubano, cujas intenções profissionais tive o cuidado de explicar ao seu zeloso staff, terminaram sempre travadas pelos agentes da segurança pessoal de El Comandante. A pouco e pouco esboroava-se o sonho que alimentara desde que aterrara no Rio de Janeiro, a ambição de qualquer jornalista que se preze, a de chegar à fala com o último dos grandes líderes revolucionários ainda no poder, na altura, prestes a dobrar o cabo do século XX, onde a grande maioria falhou a passagem, vencidos pela morte física ou, pior ainda, pelo ocaso ideológico. A poucas horas de terminar o meu périplo carioca, começava a apossar-se de mim o corrosivo sentimento da frustração, que já tantos dos meus pares de ofício haviam experimentado, a deplorável sensação de estar tão perto de tocar a “História” e falhar como Sisifo. Até que uma providencial voz castelhana, certamente apercebendo-se do meu indisfarçável desespero, me sussurra ao ouvido: “Hombre, no te quedes del hotel”. Estranha mensagem recebida numa altura em que me preparava para entrar no mini-bus disponibilizado pela organização para levar os cerca de duas dezenas de jornalistas portugueses ao Palácio dos Congressos, para testemunhar a enfadonhamente protocolar cerimónia de encerramento da Cimeira, onde todos os líderes posariam sorridentes para a fotografia e seria lida uma declaração de circunstância. Acontece que esta mensagem era assunto sério, pois vinha de um importante membro do staff de Fidel Castro. Segui as suas instruções diligentemente, deixando os meus colegas avançar para o local da cimeira e permanecendo no “foyer” do hotel, entregando-me à mercê do destino que, aliás, não tardaria em ser-me revelado. De repente, como num imprevisível jogo de póquer, a minha sorte mudara. Fidel, o “mito”, vindo do longo corredor do tempo, irrompe esmagador frente aos meus olhos incrédulos. Prontamente, Fidel acena a um pequeno grupo de jornalistas, na sua maioria latino-americanos, que, tal como eu, tivera acesso à reservada e preciosa informação, para que se aproximem dele. Por sorte, eu era o único português. Na sua surpreendente e improvisada mini conferência de imprensa, Fidel primeiro respondeu às perguntas dos jornalistas de língua castelhana, depois, solicitado na língua de Camões, mandou que me aproximasse e disparou: “Venga! Gusto mucho de Portugal, de su historia e de su cultura riquísimas”. Os quinze minutos seguintes (que me pareceram horas) foram entre mim e Fidel. Sem tibiezas, comecei a disparar perguntas que tinha de há muito artilhadas. Claro, que o que me interessava especialmente enquanto jornalista português era conhecer as posições de Castro sobre Portugal e as suas relações com Cuba, já que, se as tinha, elas não eram públicas. E, logo, na primeira resposta, fiquei estupefacto com o grau de conhecimento do líder cubano relativamente à realidade deste pequeno país no extremo ocidental da Europa, que, a Norte, faz fronteira com a Galiza, terra natal dos avós de Fidel. O líder cubano, que não podia ter feito nenhuma preparação especial para uma entrevista que não fora previamente agendada e que não sabia que ia dar, tinha na ponta da língua o valor do PIB português, o que, como se sabe, não é matéria que se domine com facilidade. Na curta, mas veemente, entrevista que me concedeu, Fidel falou sobre o ex-Presidente Mário Soares, não sem algum ressentimento, e sobre o fosso que ao longo do tempo se foi cavando entre ambos e das visões muito diferentes que têm da ideologia socialista. Mas onde Fidel se revelou mais apaixonado e desconcertante foi ao falar sobre a evolução do regime político em Portugal, da guerra colonial, da queda da ditadura, e da revolução. Deixando cair uma afirmação surpreendente, naturalmente “puxada” para título: “Ajudámos com sangue cubano à libertação de Portugal”. Uma frase retumbante, bem ao seu estilo, que alude aos cubanos mortos durante a guerra em Angola, quando lutavam ao lado do MPLA contra o exército colonial português, cujos capitães, fartos das privações provocadas por uma guerra injusta e sem fim à vista, resolvem precipitar a queda do regime através do golpe militar do 25 de Abril.Nesta entrevista, creio que a única concedida a um jornalista português em muitos anos, além das relações com Portugal e Espanha, Fidel Castro fala das conquistas da revolução cubana, do embargo americano, das dificuldades vividas pelos países africanos, do antigo regime de apartheid da África do Sul e das suas alegadas armas nucleares cujo paradeiro é desconhecido. Fidel deu, nessa altura, já lá vão sete anos, mostras de uma grande energia, bem como de um misticismo latente, quase a tocar o religioso, enaltecendo, aliás, o Papa João Paulo II, que visitara Cuba, em Janeiro de 1998. Acontece, porém, que a aparente abertura de pensamento evidenciada por Fidel nessa época, nesta e noutras raras entrevistas, não se concretizou – infelizmente – no plano dos direitos humanos e da democracia política, que vieram a conhecer lamentáveis reveses nos anos seguintes. A saída de cena de Fidel Castro aos 80 anos, por confessada doença, no passado dia 31 de Julho, sem qualquer sinal de abertura democrática do regime, e transferindo de forma dinástica os principais poderes de governação para o seu irmão Raul, comprometerão, de certo, muito a imagem do Fidel estadista, mas não afectarão de forma irremediável a imagem do Fidel revolucionário, quixotesco e romântico, companheiro de Che Guevara na Sierra Maestra, que sozinho, a partir de uma pequena ilha do Pacífico, desafiou de forma destemida a vizinha super-potencia americana. O “mito” Fidel revolucionário não morrerá.

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