(…) E, a partir daí, naquele imenso campo de girassóis, as louva-a-deus ficaram divididas (até quando?) em duas espécies: as que comem os machos e as que se deixam comer.” Joaquim Pessoa, in “PORTUGUES SUAVE”
As mulheres dos militares eram dóceis e prendadas. Fadas do lar, esposas dedicadas. Viviam para os maridos, para os filhos e para as tarefas domésticas. Afadigavam-se nas compras diárias. Esmeravam-se na limpeza e arrumação da casa. Tratavam zelosamente da roupa. Inventavam pretextos para combater o tédio. E assim preenchiam a solidão, do nascer ao pôr-do-sol.
As mulheres dos militares eram pacientes, generosas, compreensivas e obedientes. Não se revoltavam, não se excediam, não tinham crises de nervos e, muito menos, de ciúmes. Quando humilhadas não choravam. Quando violentadas não reclamavam. Quando angustiadas não se queixavam. Sofriam em silêncio as suas mágoas. E agradeciam qualquer pequeno gesto de carinho, qualquer pequena réstia de atenção.As mulheres dos militares eram carentes, meigas e submissas. Banhavam o seu corpo no final de cada dia. Dissolviam o suor da canseira e do enjoo. Perfumavam-se, vestiam-se, davam um jeito nos cabelos, retocavam a pintura em frente do espelho e aguardavam, dolentes, o regresso dos guerreiros. Quando estes chegavam, noite dentro, encharcados de álcool e de fumo, saciados de prazer e de sexo, elas secavam as lágrimas e recebiam-nos nos braços. Acalmavam-lhes a frustração e a raiva, reuniam lentamente todos os pedaços e sufocavam, dentro de si, aquele secreto desejo de se sentirem amadas e amantes.As mulheres dos militares eram tudo isto. Prisioneiras eternas de um destino que lhes matou os sonhos à nascença, viviam conformadas à sombra dos seus homens. E aceitavam o inexpressivo correr dos dias.Mas, de repente, tudo se mudou. Os pequenos deuses caseiros, foram confrontados com a sua verdadeira dimensão. Então, perderam a força e a prosápia, amaricaram-se. E entregaram a defesa, daquilo que diziam ser os seus mais legítimos direitos, nas mãos daquelas a quem nunca os reconheceram.Armando LopesColunista
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