Humberto Delgado aclamado na Cela Velha durante a campanha eleitoral para as presidenciais de 1958Humberto Delgado, filho adoptivo da Cela Velha, Alcobaça, nasceu há cem anosOs habitantes da Cela Velha vibram ao ouvir falar do seu filho adoptivo e não esquecem o papel de um “homem bom” na oposição à ditaduraAntónio Paulo No passado dia 15 de Maio, se fosse vivo, o general Humberto Delgado completaria cem anos de idade. Conhecido para a história como o “General sem Medo”, pelo seu papel de opositor ao regime ditatorial de Oliveira Salazar, Humberto Delgado nasceu em Boquilobo, Torres Novas, mas tornou-se num filho adoptivo da Cela Velha, no concelho de Alcobaça, onde é recordado com “saudade” por muitos dos seus habitantes que com ele privaram.
Evidência daquele sentimento, foram os muitos rostos molhados por lágrimas mais ou menos furtivas, daqueles que no passado dia 25 de Abril assistiram na antiga fábrica do tijolo – onde o general Delgado chegou discursar durante a campanha para as eleições presidenciais de 1958 – à projecção do filme “Meu pai, Humberto Delgado”. “Ai senhor, quando vejo aquelas imagens, eu nem sei…”, confessava ao REGIÃO no final da exibição do filme, com a voz meio embargada, Edine Gomes, uma celense que durante cerca de quinze anos trabalhou como doméstica na casa de Lisboa da família Delgado. “Tive um desgosto muito grande quando soube que o mataram”, recorda Edine Gomes, concluindo que “por ser tão sincero é que o mataram”. Sobre a forma como a Cela Velha viveu a “oposição” do general Humberto Delgado ao antigo regime, Edine Gomes, recorda a “fábrica do tijolo cheia de gente para o ouvir discursar na campanha para as eleições” e o “passeio em ombros que deu aqui pelo lugar”. Um apoio quase incondicional da gentes da Cela Velha, confirmado por outra celense, Olinda Santos, uma rendeira da família Delgado, que recorda a “grande ansiedade que se vivia aqui na Cela para saber se ele ganhava ou não as eleições”. “Como de facto ganhou, quando ele aqui chegou andaram com ele ao colo”, refere Olinda Santos, lembrando um momento de sinal contrário ao sentimento de desilusão que varreu o País, nos dias que precederam a “chapelada” eleitoral que o regime de Oliveira Salazar e Américo Tomás, impôs, fraudulentamente, ao seu opositor Humberto Delgado. Antes e depois das eleições de 1958, Edine e Olinda não esquecem as “visitas” da PIDE à Cela à procura de Humberto Delgado, e lembram as “escutas às escondidas das rádios Moscovo e BBC”, para “saber qualquer coisa, com verdade, sobre o que se passava no País”. Cela: o “refúgio” de Delgado“Meu pai, Humberto Delgado” é um filme que retrata a vida do general da Força Aérea, contada por sua filha Iva, que se tem dedicado a perpetuar a memória do pai e os ideais de liberdade que o general defendeu perante a mão de ferro do antigo regime fascista. Pelo documentário, com duração de 50 minutos, passam momentos da vida do “General sem Medo”, alguns dos quais passados na quinta da Cela Velha, que como Iva Delgado refere “era o seu refúgio”. Também no passado dia 25 de Abril, o neto do general, Frederico Rosa, lembrou que “a Cela Velha ocupava no coração do avô um local muito especial”.Mas nem só pela política Humberto Delgado é recordado na Cela Velha. “Ele era um bom aviador. Vinha aqui fazer piruetas na Cela voando sobre a quinta dele e uma vez passou com o avião por debaixo dos fios da linha do caminho-de-ferro”, lembra Joaquim Mouchinho, que aos 77 anos, não se esquece do aviador e fundador da TAP.Episódios que também fazem parte do documentário, quando Iva Delgado lembra a “promessa” feita pelo pai, de que um dia a bordo do seu avião haveria de arrancar o barrete a um habitante local. Logo que escutava o motor do avião do general, o trabalhador dos campos da Cela logo se deitava no chão com receio de que Delgado lhe levasse o barrete, tal comprometera.O filme é uma a biografia intimista do “General sem Medo”, desde os dias felizes passados como diplomata no Canadá e nos Estados Unidos da América, onde Humberto Delgado viveu com a família, até às recordações da quinta da Cela Velha e o momento “em que a política nos entrou de roldão nas nossas vidas”. As cenas mais entusiasmantes são as da histórica campanha eleitoral de 1958 – trazida aos dias de hoje em imagens de arquivo da RTP -, os banhos de multidão, o célebre comboio “Foguete” a chegar a Santa Apolónia rodeado de uma impressionante moldura humana, e a violenta repressão das autoridades do regime que impediram que o candidato Humberto Delgado tivesse em Lisboa um acolhimento tão caloros e grandioso como o que tivera nas vésperas na cidade do Porto. Os tempos de exílio no Brasil e na Argélia, a revolta no quartel Beja e, por fim, o assassinato do general por uma brigada da PIDE em Malos Pasos, junto à fronteira, perto de Badajoz, fazem igualmente parte do documentário, que termina com imagens da filha Iva Delgado junto ao túmulo do pai, depositado no Panteão Nacional.O filme foi realizado em 2005 por Francisco Manso, teve como argumentista Frederico Rosa, neto de Humberto Delgado, e foi exibido recentemente na RTP 2.
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